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Brilhando nos Tablados

 

Ela que foi aos 16 anos a terceira ginasta mais completa do mundo, hoje aos 28, Jade Barbosa tem uma história de grandes conquistas. Integrante da Seleção Brasileira Permanente de Ginástica Artística Feminina, foi a única atleta a conseguir mais de uma medalha no Campeonato Mundial de Ginástica Artística, conquistou o  10° lugar, a melhor classificação individual, em uma edição olímpica, além de ter sido a única a ter medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2007, no aparelho de salto.

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Em uma conversa com a CDG, Jade falou um pouco sobre sua história, suas batalhas, sua vida fora dos tablados e suas conquistas.


 

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   Imagem: Divulgação/CBG


 

O Início de Tudo

 

Clube da Ginástica: “Como você iniciou na ginástica? O que a ginástica mudou na sua vida?”

 

Jade Barbosa: “A ginástica começou muito cedo para mim, eu tenho 28 anos, faço 29 esse ano e eu comecei a praticar com 5 anos, porque eu não era uma criança fácil, era muito hiperativa, meus pais já não sabiam o que fazer comigo, não dormiam uma noite inteira. Eu já nadava desde muito cedo, desde a creche na verdade, e não adiantava, parecia que já estava escrito, eu era uma criança diferente. Onde que eu nadava, um clube pequeno do Rio de Janeiro, tinham aulas de ginástica, um dia passando com minha mãe comecei a "encher o saco" para me levar, então ela me levou. Era para eu ter feito uma aula, mas acabei fazendo três aulas experimentais seguidas e comecei a falar que era isso que eu queria, minha mãe respondia falando: “Tá bom Jade, vamos ver”.

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O técnico desse clube falou que eu tinha biotipo para ginástica e que ele já foi técnico do Clube de Regatas do Flamengo e conhecia o pessoal, então acabei indo fazer o teste. Eu cheguei no ginásio e me apaixonei diretamente, então uma técnica da pré-equipe veio falar com minha mãe, disse falou que eu tinha mesmo o biotipo para ginástica e perguntou se ela queria me colocar na na pré-equipe, eram 3 horas por dia e minha mãe ficou assustada e de princípio acabou não aceitando, aí fiquei 3 meses na escolinha e a coordenadora do Flamengo, Georgette Vidor, ficou insistindo para que minha mãe deixasse eu entrar na equipe, minha mãe cedeu, não teve como, eu acabei ficando na pré equipe, fui pra equipe e estou até hoje lá no clube. 

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A ginástica na verdade trouxe para mim tantas coisas, é muito mais do que só um esporte na minha vida, ela transformou minha vida. Com 9 anos eu perdi minha mãe, ela teve um aneurisma cerebral. Se eu não tivesse a ginástica, eu não sei como teria lidado com isso, eu criei uma família dentro do esporte, ele foi tão aconchegante para mim nesse momento, eu tive tanto apoio dessas pessoas, que são minha família. Eu sou grata pelas medalhas e conquistas, mas o que o esporte fez na minha vida e faz na vida de tantas pessoas, não tem preço. A gente encontra um lar e muitas crianças não tem isso em casa, apesar de eu ter uma família incrível, eu consegui encontrar isso no esporte. Então eu sou grata a ginástica por essas pequenas-grandes coisas.”

 

CDG: “Você começou desde novinha, como a maioria das pessoas na área da ginástica. Como que era para você participar das competições desde tão pequena?”

 

Jade: “Eu comecei a competir com 7 anos, e olha, não é tão fácil competir quando você é muito nova, porque lidar com a decepção é difícil. Hoje em dia tem pan-americano para pré-infantil e mirim, que são uma categoria bem jovem e eu não acho legal uma competição tão grande para uma categoria tão nova. Mas o ambiente do meu ginásio era bom, então eu acho que as crianças lidavam melhor com isso, nós fazíamos a competição e todas as meninas ganhavam medalhas, apesar de ter as notas, então eles acabavam inserindo essa questão da competitividade de uma forma sutil, não é igual a essas competições que já tem primeiro, segundo e terceiro lugar, isso é difícil para criança.

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Mas sim, com onze anos eu competi o meu primeiro pan-americano, não é fácil você viajar sozinho, deixando seus pais, são experiências bem duras, mas depois você acaba entendendo que aquilo é importante, o esporte começou na minha vida como brincadeira e depois foi ficando sério, é até difícil determinar quais foram as etapas, porque as coisas só foram acontecendo.”

 

CDG: “Já na sua adolescência, você precisou abdicar de muitas coisas?”

 

Jade: “Com 9 anos eu comecei a treinar 2 períodos por dia, eu já treinava uma carga horária de 6 a 7 horas por dia, é bem tenso, então para você administrar treino, colégio, chegar em casa a noite e fazer dever de casa... Trabalho em grupo era uma coisa muito difícil, o meu grupo era eu e meu pai, não dava para fazer trabalho em grupo. Essa questão do não, é muito ruim para o atleta, a gente tem que falar isso desde muito cedo, não posso ir em passeio da escola, não posso ir na festa, não posso viajar... Já é difícil com 5 ou 6 anos, mas você imagina, começam as festas de 15 anos, as pessoas começam a ter outras prioridades e eu tinha que abdicar dessas coisas, não só de festas, mas de estar com minha família, de ver o meu irmão crescer. Com 13 anos eu fui para seleção permanente, em Curitiba, para competir a minha primeira Olimpíada, tive que deixar minha família no Rio de Janeiro e isso foi o mais duro para mim, minha família ficou muito mais unida depois que minha mãe faleceu, então não é só abdicar de festas e sim da família também.”


 

Enfrentando as Dificuldades de Cabeça Erguida

 

CDG: “Como você lidava com os rótulos que te davam por te considerarem chorona?”

 

Jade: “É difícil, eu fui pro meu primeiro Pan-Americano com 11 anos, com 13 fui pro meu segundo, que já era categoria juvenil e eu era da categoria infantil, uma categoria abaixo, fui bem, então saíram algumas reportagens e o pessoal já falava sobre a questão da minha mãe nas entrevistas, sempre tentando tirar essa parte emotiva de mim. Eu sou muito sentimental, quando eu estou feliz eu choro, quando estou com meus amigos eu abraço e beijo, eu sou uma pessoa bem intensa. Uma vez, minha técnica da época até me tirou da entrevista porque eles estavam abusando disso.

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Então, eu fui para o Pan-Americano no Rio em 2007, no primeiro dia não ganhei medalha, eu caí na prova e fiquei em quarto lugar, já no segundo, que eu ganhei duas medalhas, foi muito bom para toda a ginástica do Brasil. Quando acabou a competição, a gente fez uma coletiva de imprensa e um repórter falou assim: “Jade, quando você caiu no primeiro dia, você ficou pensando: “mãe me ajuda”?”. Aquela pergunta me tirou o ar. Eu lembro que a Daiane dos Santos me apertou de baixo da mesa e falou assim: “Não chora e responde”, então falei: “Na verdade eu sou muito grata por minha mãe ter me colocado na ginástica, mas eu faço ginástica por mim e não por ela, eu estou aqui por mim, não tem porque eu lamentar pela minha mãe”.

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Aquilo alí era passageiro, como outros rótulos também que apareceram ao longo da minha carreira, às vezes maldosos, mas quando isso estiver te fazendo mal, você tem que se afastar e ficar com as pessoas que te amam, fazer um detox, ficar preparada para voltar.”

 

CDG: “Em relação às estruturas, elas melhoraram da época que você começou, comparando com agora?”

 

Jade: “É uma pergunta bem interessante... As estruturas que existem hoje não são nem de perto o que a gente tinha antes, eu posso garantir que antes os únicos clubes que tinham estrutura eram o Flamengo, onde a seleção se reunia e em Curitiba que também foi onde a confederação ficou por muitos anos. Se você quisesse fazer ginástica no Brasil de alto rendimento, tinha que procurar eles.

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Hoje em dia eu vejo que todos os clubes têm o mínimo para ter uma base de ginástica, mas não é o ideal ainda. Porém, temos um centro de treinamento no Rio de Janeiro, que o comitê olímpico preparou paras as olimpíadas, que é o melhor centro de treinamento disparado da América, quando nos preparamos para a Olimpíadas, muitos países nos visitaram para fazer aclimatação, e ficaram muito apaixonados. Você ouvir isso de países que são referência para você, quando que a gente imaginou isso?

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Eu por exemplo, hoje treino no clube e na seleção, onde tenho psicóloga, nutricionista, fisioterapeuta, técnico, preparador físico e antes era o técnico que fazia tudo."

 

CDG: “Em algum momento você pensou em parar?”

 

Jade: “Em 2014 operei o joelho, eu já era uma atleta mais velha, então foi difícil fazer uma cirurgia naquele momento da minha carreira, mas eu queria muito competir em 2016, então segui, depois de 2016 eu tive overtraining, que é uma síndrome que muitos atletas tem e me deixou com depressão. Ele acontece quando você não tem descanso suficiente, faz treino em cima de treino, e eu estava na olimpíada com overtraining, tanto que me machuquei no terceiro dia de competição, aí eu pensei.

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Agora também, no mundial que a gente não se classificou para Tokyo, uma das minhas maiores decepções, e até quando eu operei meu joelho de novo, pensei "poxa, mais uma vez”, mas é o que eu amo, se você ama, fica difícil não continuar”.

 

CDG: “Como que você, a Jade de hoje, enxerga a situação que aconteceu com a Confederação Brasileira de Ginástica, que te deixou fora das Olimpíadas de Londres?”

 

Jade: “Não foi fácil ficar fora de uma Olimpíada, eu briguei muito pelo que eu acreditava, não era uma questão de não usar o uniforme, eu falei que ia usar, eu só não concordei com os termos do contrato. Existe um contrato que o patrocinador da seleção pode fazer propaganda com você e com a equipe, e um contrato que individual que você não é obrigado a assinar, eu sempre assinava só o da equipe. No ano das olimpíadas eles colocaram os contratos juntos, eu falei que não podia assinar aquilo, eu tinha outros patrocinadores que eram melhores para mim, então foi uma briga, eu não concordava com os salários e com muitas coisas, então briguei por isso e não me arrependo, lutei pelo que eu acreditava.

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Hoje eu e a confederação temos um ótimo relacionamento, sentamos, conversamos e melhoramos, se eu não tivesse o que fiz, talvez as coisas não estivessem assim hoje.

 

CDG: “Você se lesionou, não pode participar do campeonato Pan-Americano por causa da cirurgia e com isso não se classificou para as Olimpíadas. Como foi lidar com esse “baque”? Acredita que com o adiamento do campeonato tem chances de participar?

 

Jade: “Eu fiquei muito triste, já no primeiro aparelho eu rompi o cruzado, e não pude mais competir, foi uma sensação de impotência muito grande. Conturbou todo mundo,  aconteceu a não classificação da equipe também, uma decepção geral, a gente trabalhou duro para aquilo.

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Agora com a Olimpíada sendo adiada, eu tenho uma chance de me classificar para Tokyo, tem uma vaga, tudo bem que tem que ganhar o Pan-Americano, mas é uma vaga e me trouxe esperança, os atletas têm que se preparar para o conseguir e o não conseguir, a gente está ciente que pode acontecer, eu faço parte do esporte e quero fazer muito mais, vivi momentos muito bons, sei que é uma fase, quem trabalha na minha equipe não tem medo de correr atrás dos seus sonhos, não aconteceu agora, não quer dizer que não vai acontecer na próxima".


 

A Jade Fora dos Tablados

 

CDG: “Você voltou para faculdade. Como está sendo? Como é ser Jade Barbosa na faculdade?”

 

Jade: “A primeira faculdade que eu tentei fazer foi design de produto, meu pai é arquiteto e meu irmão está se formando em design, lá em casa todo mundo foi para esse lado meio artístico, mas eu não consegui manter a faculdade de design, a carga horária não batia com os meus treinamentos, era uma coisa que eu gostava muito e queria fazer bem feito mas não dava, era uma correria danada, então tive que trancar.

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Com a vinda dessa cirurgia e o tempo a mais que eu teria, resolvi voltar para a faculdade, mas acabei trocando o curso, fui pra marketing, é uma coisa que eu tenho carinho e queria conhecer mais, acho que da pra ajudar bastante o esporte.

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No início eu chegava na sala meio que me escondendo, eu queria ter um gostinho de uma vida social, a gente acaba se privando de algumas coisas, sempre que a gente entra em algum lugar, as pessoas veem a gente como exemplo, é inevitável, eu fui fazer a prova da auto escola todo mundo ficava: “Meu Deus, é a Jade!”. Eu tinha que fazer aquilo bem feito, as pessoas esperam isso. Eu tinha um pouco de medo disso na faculdade, eu lembro da minha primeira aula de desenho industrial, em design, eu desenhei e o professor falou “Nossa, até que você sabe desenhar bem né, pensei que você só sabia pular”.

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Mas as pessoas me receberam muito bem, é claro que na hora da chamada todo mundo descobriu que eu estava na sala, mas eu acho muito legal, foi a melhor coisa que eu fiz, eu já estava a muito tempo querendo voltar e ficava postergando, agora eu falei: “Vamos encarar isso de frente Jade, já está na hora”.

 

CDG: “Você falou recentemente que sonha em ser mãe e que pensa nisso para 2021. Você pretende encerrar sua carreira quando começar esse novo ciclo na sua vida?”

 

Jade: “Então, eu não sei muito como vai funcionar, vejo que hoje em dia tem muitos atletas constituindo família e continuando a treinar, eu acho isso muito legal, eu não sei quando me aposentar, mas se eu continuar na ginástica e optar por ter uma família, por que não? Enquanto aquilo estiver me fazendo bem... Acredito que pode vir a acontecer, mas eu tenho que ver como vai estar o meu corpo, é ele quem trabalha todos os dias".

 

CDG: "Como está sua rotina agora nesse período de pandemia?”

 

Jade: “Eu estou tentando não me cobrar muito, como é um tempo indeterminado, é muito injusto ficar pensando que você não está fazendo isso ou aquilo, então estou vivendo um dia de cada vez. Eu tenho um cronograma de treinamento, que eu tenho que cumprir, até porque eu estou fazendo essa recuperação do joelho, que é muito importante para mim, então assim, tem coisas que são obrigatórias, mas comer uma besteira não tem problema, ter preguiça não tem problema, são coisas que vão acontecer. Estou tentando manter uma rotina, mas se não acontecer, não é um problema, a gente está em um momento difícil. Eu pelo menos, estou muito feliz pois estou podendo ficar com minha família, que é uma coisa que eu não consigo, estou aproveitando e tirando bastante casquinha do meu pai e do meu irmão, a gente está “criando memórias”, é um tempo que estamos podendo viver juntos".


 

Conquistas Dentro e Fora dos Pódios

 

CDG: “Qual foi sua conquista mais marcante para você?”

 

Jade: “A medalha do mundial em 2007 foi super especial, eu nem me imaginava como ginasta de nível mundial e cheguei lá, fiquei em terceiro, “acho que eu sou boa” eu pensei. Eu sabia que as americanas eram muito boas, as Romenas, as Russas... Mas quando cheguei no mundial e vi que tinha ficado no pódio, fui a primeira brasileira a fazer isso, eu falei "poxa, acho que minha equipe é muito boa” e eu faço parte dessa equipe muito boa, esse ano foi muito especial para mim.

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Já em 2009, logo depois que voltei de Pequim, de tantas vezes que treinei, tive muitas fraturas por estresse. Fui fazer a ressonância e o médico disse que eu teria que procurar um especialista, porque essa lesão ele nunca tinha visto, é uma lesão que tem poucos casos no mundo. Meu pai ficou assustado, fomos procurar inúmeros especialistas e eles falavam que não tinha jeito, que eu teria que parar a ginástica, eu dizia que não era possível, não tinha como eu parar com a ginástica. 

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Quando tive essa lesão, eu sentia muita dor, mas os médicos da seleção não me falavam o que eu tinha, os sistemas dos russos era assim, por exemplo, a gente se pesava 4 vezes por dia e tinha que estar no peso, se não estivesse, não podia jantar, era uma restrição muito pesada. Eu voltei das olimpíadas com quinze pedras no rim porque a técnica não deixava beber água, era maluca. Voltei bem debilitada, meu pai nem acreditou, ele me deixou na seleção super saudável e me devolveram dessa forma, imagina a frustração. Então eu passei de setembro de 2008 até 2009 tentando recuperar essa lesão do punho, e não recuperou, na verdade, eu decidi que ia treinar mesmo assim, tive que modificar minha ginástica, parei de fazer alguns elementos que me machucavam muito, foi um ano bem difícil. Então, em 2010, fui medalhista no salto, todo mundo falava que eu não ia voltar a fazer ginástica e no ano seguinte fui medalhista, essa foi uma conquista muito especial para mim e também pro meu técnico do clube”.

 

CDG: “Quando você olha para sua carreira, qual o seu maior orgulho?”

 

Jade: “Acho que o que eu tenho mais orgulho, é de olhar e ver o quantas crianças que eu influenciei de forma positiva, hoje em dia eu vejo muitas gerações que falam: “Nossa Jade, eu entrei na ginástica porque eu te via competindo e sou sua fã,  quero ser igual a você”. Isso é uma coisa incrível, influenciar pessoas a buscar um sonho, o esporte faz isso, ele transforma a gente em super herói para os jovens. Já vi inúmeras crianças na praia e falei para ir no ginásio, porque tem o biotipo, tem 3 ou 4 no flamengo que eu que encontrei,  isso não tem preço. Ver que a seleção hoje em dia tem um ginásio de altíssimo nível e que fiz parte desse processo, as gerações vão começar a treinar naquele ginásio, eu comecei em um ginásio bem básico, elas não, já vão ter a oportunidade de começar em um ginásio maravilhoso, isso não tem preço, saber que você fez parte do esporte, para melhorar o esporte”.

 

Entrevista feita por Sabrina Toledo, Juliana Vernasqui e Gabriel Prates

Texto e diagramação: Sabrina Toledo

2020

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